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Um dos maiores valores e diferenciais que um projeto de código aberto pode oferecer é a continuidade.
Na sua forma mais simples, a continuidade se traduz na questão da disponibilidade do código. Ao contrário do que usualmente ocorre com sistemas proprietários, um software aberto não desaparece no caso de seus mantenedores abandonarem o seu desenvolvimento. O código permanece disponível para que qualquer interessado apto passe a desenvolvê-lo. Mas existe uma forma de continuidade mais valiosa, que é a continuidade do desenvolvimento, especialmente importante no caso de softwares que oferecem serviços de segurança ou privacidade.
É a satisfação da expectativa dos usuários de que o sistema continue sendo desenvolvido pelas mesmas pessoas que contam com a confiança da comunidade, e que elas permaneçam incluindo atualizações e corrigindo falhas de modo a manter o software útil e seguro. No caso de sistemas mantidos por comunidades, essa segunda forma de continuidade exige uma condiçãos essencial: os mantenedores do sistema precisam definir um bom plano viável para obter (também continuamente) os recursos necessários para a estabilidade do desenvolvimento e disponibilidade do projeto, controlando suas despesas e custos, e obtendo receita correspondente a eles.
Existem várias formas de fazer isso: o kernel Linux é mantido por uma fundação que cobra anuidades de uma série de grandes empresas participantes, os produtos da Mozilla são mantidos por uma corporação que comercializa a presença de serviços de busca (principalmente os do Google) em seus aplicativos, a Wikipedia ostensivamente pede doações a seus próprios usuários, e diversos projetos relevantes contam com desenvolvedores cujos salários são pagos por empresas interessadas nos seus produtos, por exemplo. Mesmo quando o projeto não tem empregados e todos os seus participantes são voluntários altamente motivados, podem existir despesas e custos, como os de hospedagem de sites, de distribuição, de publicidade, de obtenção de certificações de segurança/compatibilidade, etc. – e é necessário encontrar uma fonte estável para essa receita.
O projeto OpenBSD que, entre vários outros produtos, é o responsável pelo OpenSSH usado em quase todas as distribuições Linux como recurso básico de terminal remoto e como parte de uma das ferramentas mais acessíveis para comunicações com privacidade, recentemente passou por um susto quanto à sua continuidade. Para manter as suas próprias premissas de segurança, o OpenBSD disponibiliza seus sistemas apenas em servidores mantidos em infraestrutura gerenciada pelos próprios integrantes do projeto, não podendo assim recorrer aos baratos serviços de hospedagem online tão comuns. Isso funcionou bem ao longo de anos, mas no começo de 2014 veio o alerta: as receitas previstas para este ano não seriam suficientes para pagar os custos de eletricidade dos ambientes desses servidores. Ou a comunidade dava um jeito de obter US$ 20.000 ou o projeto estava em risco de fechar as portas.
O susto inicial durou cerca de 2 semanas, até que surgiu a notícia de que um milionário romeno doou os US$ 20.000. Mas o meu susto, na condição de usuário que valoriza os produtos do OpenBSD, é de mais longa duração: essa comunidade tem despesas e custos permanentes, produz softwares de grande valor, e poderia equacionar isso de maneira mais permanente sem ter de recorrer a campanhas urgentes de coleta diretamente junto aos usuários finais. Vale para o OpenBSD, mas vale também para a governança do projeto que você pensa em iniciar: se vai ter uma despesa, pense na origem dos recursos, sem deixar saldos se acumularem colocando em risco esse grande valor: a continuidade.
Augusto César Campos é administrador de TI e, desde 1996, mantém o site BR-linux.org, que cobre a cena do Software Livre no Brasil e no mundo.
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